Platéias linchadas
Por Marcelo Mirisola | Marcelo Mirisola – sex, 23 de mai de 2014
No Brasil da intolerância, até a platéia é linchada. Tô falando de "Praia do Futuro", novo filme de Karim Aïnouz, onde Capitão Nascimento virou uma espécie de barbie-salva-vidas. Não me espantou nada, aliás. Uma consequência natural de "Tropa de Elite 2", quando o tenente-coronel já dava indícios de que ia afrouxar a ... disciplina.
Ponto para Wagner Moura, que construiu o personagem mais emblemático da década, ponto para Aïnouz que soube manipular a histeria coletiva e dar um nó na cabeça das pessoas.
Um parêntese. Isso nada tem a ver com a qualidade do filme.
Será que nao ocorreu a nenhum patrulheiro do gosto alheio que o filme é ruim? Já saí de várias salas porque o filme não prestava. Qual o problema? O último filme que abandonei foi o aclamado "O Som ao redor". Segundo a lógica dos linchadores do gosto alheio, o fato de eu ter me cansado dos sotaques pernambucanos a ponto de julgar que a dicção dos atores comprometia o andamento do filme, me transformaria num racista.
Será? Daí que é um erro acusar a platéia de "Praia do Futuro" de atrasada e/ou homofóbica somente porque abandonou a sala de exibição.
O mais desanimador são os argumentos dos "especialistas": "O público hetero, ignorante e machista abandonou o filme porque podia ser tarde demais para resitir, medo de ser feliz , de experimentar e gostar". Vale lembrar que o público machista, hetero e ignorante do festival de Berlim também abandonou o filme de Aïnouz, que não pagou nem placê . Repito a pergunta: ocorre que o filme não é grande coisa?
Independentemente da qualidade de "Praia do Futuro", gostaria de acrescentar um dado. Tenho vários amigos gays que tem ânsias de vômito ao testemunhar casais heterossexuais se beijando ( nem cogito em coito heterossexual). Para eles, a genitália feminina é quase que uma expressão de repulsa moral. Obrigá-los, sob o jugo da tolerância, a usufruir, festejar e propagandear o sexo oposto também não seria forma de violência?
É o caso de acusá-los de ignorância? Preconceito? Heterofobia? Cadeia neles?
A repulsa carnal, me pergunto, não seria um ponto de contato entre o homossexual patrulheiro e o hetero desavisado? Dar um nó nessa repulsa, espremê-la até o bagaço, e desfrutar do horror alheio no lugar de condená-lo, não seria algo mais ... civilizado, humano e bem-humorado? A boa convivência repulsiva não seria o estágio seguinte?
Para finalizar, gostaria de dizer que tolerância não se adquire em manuais de redação nem em cartilhas politicamente corretas. Ninguém pode ser obrigado a ser tolerante na marra, assim como ninguém pode ser linchado porque tem o gosto diferente do outro.
As diferenças são iguais, não importa de que lado voce está. Respeitar a diferença é sobretudo ter o direito de não gostar do gosto alheio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este espaço é seu, portanto, comente à vontade...