sábado, 18 de janeiro de 2014

Morte Bárbara de Garoto Segue em Mistério...

Um garoto de 16 anos é vítima de crime de ódio. Vamos ficar calados?


Nos últimos dias li uma história que parece um pesadelo. Um garoto de 16 anos saiu com os amigos. Coisa de garotos de 16 anos. Estavam todos em uma praça fumando narguilé. Aí resolveram entrar em uma balada. No meio da festa o menino disse que tinha perdido celular e carteira, então os amigos se separaram para procurar os pertences. Ninguém mais viu o garoto.

Os amigos, que conheciam Kaique – esse era o nome dele – sabiam que ele trabalharia cedo no dia seguinte e acharam que ele tivesse ficado cansado e ido para casa. A família acordou e achou que ele já tivesse ido para o trabalho. Kaique não apareceu para trabalhar. E aí toda a história começa a ganhar cores estranhíssimas e assustadoras.
As buscas começaram. Como toda família, foram aos hospitais, delegacias, IML, perguntaram na praça em que ele sempre ficava com os amigos se alguém o havia visto. Nada. Só que, então, um corpo foi encontrado. Um corpo que teve todos os dentes arrancados, não sobrou nem a raíz. O rosto desfigurado, hematomas por todo lado e uma barra de ferro atravessando a perna. Esse corpo, antes, era Kaique, um menino de 16 anos que sonhava ser cantor.
A família quis saber o que havia acontecido, mas, é claro, não há provas de nada. A polícia preferiu registrar a morte como suicídio. Suicídio. Nunca ouvi falar de alguém que tira a própria vida mas, antes, se tortura. Quem desiste da vida o faz porque não aguenta mais sofrer. Arrancar os dentes não ajudaria a aplacar essa dor. Arrancar os dentes é uma dor que não permitiria que um menino de 16 anos se mantesse consciente.
Esqueci de contar uma coisa para vocês. Kaique era negro. Kaique era gay. E, em São Paulo, ser negro não é nada fácil – veja só o que acontece quando meninos negros, que se parecem com Kaique, tentam dar um “rolezinho” no shopping. Ser gay, em São Paulo, uma cidade que se diz tão diversa, também não é simples. As agressões estão em todo lugar.
Kaique não habita mais aquele corpo. Ninguém conseguiria mais habitar aquele corpo. Mas a família, os militantes, os amigos, quem quer que escute a história não compra a ideia de suicídio. Simplesmente não faz sentido. Kaique foi torturado. Um garoto de 16 anos foi torturado e morto, atirado de um viaduto, largado na rua. Um garoto de 16 anos.
Aconteceu porque era gay? Aconteceu porque era negro? Aconteceu porque estava no lugar errado na hora errada? Por que aconteceu? Essa resposta tem ligação com a vida de todos nós. Somos todos vítimas em potencial. Seja por qualquer uma de nossas características. Um dia podemos, simplesmente, não estar mais aqui para questionar.
O agravante da história é que Kaique foi morto em uma região central da cidade. Uma região com policiamento. Kaique foi morto e tudo está muito nebuloso ao redor dessa história. Só dá para acreditar que tem coisas, aí, que estão sendo empurradas para baixo do tapete. E não dá para aceitar.
Kaique não foi o primeiro gay a ser morto em 2014. São apenas 17 dias de um novo ano e 16 pessoas já foram mortas em crimes de ódio. Dezessete pessoas foram mortas pela diferença, por ser gay, travesti, transsexual. Uma pessoa por dia. E simplesmente não dá para aceitar algo assim. O site "Quem a Homotransfobia matou hoje?" conta os casos.
A diferença entre a violência que todos enfrentamos e os crimes de ódio é que nestes episódios a crueldade ganha uma força assustadora. Pessoas são mortas por reagir a assaltos. Elas tomam um tiro, dois e pronto. Nos crimes de ódio dentes são arrancados, barras de ferro cruzam sua perna e você poderia ter tomado 50 tiros. A diferença é gritante.
Dizer à família de Kaique que sentimos muito por ainda não termos conseguido transformar o mundo não aplaca a dor de perder um garoto de 16 anos. Mas nós sentimos muito. E vamos continuar lutando. E vamos continuar batendo na mesma tecla: somos todos iguais, não importa como sejamos.
E nesta sexta-feira (17), às 18h30, estaremos no Largo Do Arouche. Caminharemos até a Coordenadoria de Diversidade, passaremos na avenida 9 de Julho para homenagear Kaique e seguiremos para as proximidades da Câmara Municipal de São Paulo para que as autoridades e a sociedade civil veja que não vamos mais aceitar menos do que merecemos – informações completas aqui. Não queremos nada menor do que justiça e você, que também quer um mundo em que todos tenham o direito de viver, está convidado.

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