Em
seu programa de tevê e nos cultos, o pastor Silas Malafaia, da
Assembleia de Deus, um dos maiores porta-vozes do conservadorismo
religioso no País, costuma repetir a ladainha: “Homossexualidade
na Bíblia é pecado. Pode tentar, forçar, mas é pecado”. Mas
será mesmo pecado ser gay? Não, contestam, baseados na
interpretação da mesma Bíblia, sacerdotes cristãos, tanto
católicos quanto evangélicos. Para eles, a mensagem de Jesus era de
inclusão: se fosse hoje que viesse à Terra, o filho de Deus teria
recebido os homossexuais de braços abertos.
“Orientação
sexual não é o que vai definir a nossa salvação”, afirma o
bispo primaz da Igreja Anglicana no Brasil, dom Maurício Andrade. “É
muito provável que as pessoas homoafetivas fossem acolhidas por
Jesus. O Evangelho que ele pregou foi de contracultura e inclusão
dos marginalizados”, opina. Segundo o bispo, ao mesmo tempo que não
há nenhuma menção à homossexualidade no Novo Testamento, há
várias passagens que demonstram a pregação de Jesus pela inclusão.
Não só o conhecido “quem nunca pecou que atire a primeira pedra”
à adúltera Maria Madalena.
"A
orientação sexual não é o que vai definir a nossa salvação",
diz dom Maurício Andrade, bispo primaz da Igreja Anglicana. Foto:
Sergio Amaral
No
Evangelho de João, capítulo 4, Jesus está a caminho da Galileia,
partindo de Jerusalém. Cansado, decide descansar ao lado de um velho
poço, em plena região da Samaria, cujos habitantes eram desprezados
pelos judeus. E inicia conversação com uma mulher samaritana que
vinha buscar água, e lhe oferece a salvação da alma, para espanto
de seus próprios apóstolos, que a consideravam ímpia. Também
quando Jesus vai à casa de Zaqueu, o coletor de impostos decidido a
passar a noite lá, os discípulos murmuram entre si que se
hospedaria “com homem pecador”. Mas Jesus não só o faz como
também oferece a Zaqueu, homem rico tido como ladrão, a salvação.
“Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de
Abraão.”
“Jesus
inaugura o momento da Graça, os Evangelhos atualizam vários trechos
do Velho Testamento. Ou alguém pode imaginar apedrejar pessoas hoje
em dia?”, questiona dom Maurício, para quem a interpretação da
Bíblia deve se basear no tripé tradição, razão e experiência
cotidiana. “Quem interpreta que a Bíblia condena a homoafetividade
está sendo literalista. Cada texto bíblico está inserido num
contexto político, histórico e cultural, não pode ser transportado
automaticamente para os dias de hoje. Além disso, a Igreja tem de
dar resposta aos anseios da sociedade, senão estaremos falando com
nós mesmos.”

Nos
Estados Unidos, a Igreja Anglicana foi a primeira a ordenar um bispo
homossexual, em 2004. “Não por ser gay, mas porque a Igreja
reconheceu o serviço e o ministério dele”, alerta dom Maurício.
Foi com base na demanda crescente de respostas por parte dos fiéis
homossexuais ou com -parentes e amigos gays que os anglicanos
começaram a rever suas posturas, a partir de 1997. No ano seguinte,
foi feita uma recomendação para que os homoafetivos fossem
escutados, embora a união de pessoas do mesmo sexo ainda fosse
condenada e que se rejeitasse a prática homossexual como
“incompatível” com as Escrituras.
No
Brasil, onde possui mais de 60 mil seguidores, a Igreja Episcopal
Anglicana realizou em 2001 a primeira consulta nacional sobre
sexualidade, quando seus fiéis decidiram rejeitar “o princípio da
exclusão, implícito na ética do pecado e da impureza”, e fazer
uma declaração pública em favor da inclusividade como “essência
do ministério encarnado de Jesus”. Em maio deste ano, os
anglicanos divulgaram uma carta de apoio à decisão do Supremo
Tribunal Federal de permitir a união civil entre pessoas do mesmo
sexo, baseados não só na defesa da separação entre Estado e
Igreja como no reconhecimento de que as relações homoafetivas “são
parte do jeito de ser da sociedade e do ser humano”.
Com
o reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, em 25 de
outubro, da união civil de duas lésbicas, é possível que a
intolerância religiosa contra os homossexuais volte a se acirrar. No
Twitter, Malafaia atiçava os seguidores a enviar e-mails aos juízes
do Tribunal pedindo a rejeição do recurso. Em vão: a união entre
as duas mulheres gaúchas, juntas há cinco anos, ganhou por 4 votos
a 1.
Por: Michel Franklin
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