quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ser Gay é Pecado? - Parte III


Sem dogmatismo: Gondim, evangélico contra os excessos neopentecostais. Foto: Olga Vlahou


Trato também na pesquisa de como na lírica ou na prosa galego-portuguesa medievais aparecem alguns exemplos de relações entre homens”, diz o professor. “As relações homossexuais são documentáveis em todas as épocas, o que houve foi um processo de adulteração, de falsificação da história, para nos fazer pensar que não.” Outro dado importante ressaltado pelo pesquisador é que a perseguição contra os homossexuais vem originalmente do Estado. Só mais tarde a Igreja se converteria na principal fonte do preconceito.
Os traços básicos do preconceito contra a homossexualidade tiveram sua origem na Baixa Idade Média, entre os séculos XI e XIV. É nessa altura que emerge a intolerância homofóbica, desconhecida na Antiguidade. Inventa-se o pecado da sodomia, inexistente nos mil primeiros anos do cristianismo, a englobar todo o sexo não reprodutivo, mas tendo como principal expoente as relações entre homens ou entre mulheres. Com o tempo, passará a ser o seu único significado”, explica Callón.
De fato, a palavra “sodomia” para designar o coito anal em geral e as relações homossexuais em particular, e ao que tudo indica foi introduzida na Bíblia por seu primeiro tradutor ao inglês, o britânico John Wycliffe (1320-1384). Wycliffe traduziu o termo grego arsenokoitai como “pecado de Sodoma”. Daí a utilização da palavra “sodomita” para designar os gays, o que acabou veiculando-os para sempre com o relato bíblico das pecadoras cidades de Sodoma e Gomorra, destruídas por Deus com fogo e enxofre para punir a imoralidade de seus habitantes. Mas o significado real de arsenokoitai (literalmente, a junção das palavras “macho” e “cama”) é ainda hoje alvo de controvérsia.
O próprio termo “homossexual” para designar as pessoas que preferem se relacionar com outras do mesmo sexo é recente: só passou a existir a partir do século XIX. A versão revisada em inglês da Bíblia, de 1946, é a primeira a utilizá-lo. Isto significa que as menções à “homossexualidade”, “sodomia” e “sodomitas” nas escrituras seriam mais uma questão de interpretação do que propriamente de tradução.
A Bíblia, infelizmente, tem sido usada para defender quaisquer posicionamentos, desde a escravidão (sobram textos que legitimam a escravatura) ao genocídio”, opina o pastor Ricardo Gondim, da Igreja Betesda de São Paulo, protestante. “Como o sexo é uma pulsão fundamental da existência, o controle sobre essa pulsão mantém um fascínio enorme sobre quem procura preservar o poder. Assim, o celibato católico e a rígida norma puritana não passam de mecanismos de controle. O uso casuístico das Escrituras na defesa de posturas consideradas conservadoras ou ‘ortodoxas’ não passam, como dizia Michel Foucault, de instrumentos de dominação.”
Um teólogo que eu admiro muito, Carlos Mesters, costuma dizer que a Bíblia é uma flor sem defesa. Dependendo da mão e da intencionalidade de quem a usa, a posição mais castradora ou a mais libertadora pode ser defendida usando-a”, concorda a pastora Odja Barros, presidente da Aliança de Batistas do Brasil, espécie de dissidência da Igreja Batista que aceita homossexuais entre seus integrantes – são seis igrejas no País. Tudo começou há cinco anos, conta Odja, quando se colocou diante de sua igreja, em Maceió, o desafio: um homossexual converteu-se e não queria abrir mão de seu gênero. Foi uma pequena revolução. Alguns integrantes deixaram a Igreja, outros se juntaram a ela, e houve fiéis que, animados, também resolveram se revelar homossexuais. “Em todas as comunidades evangélicas existem gays, mas são reprimidos”, afirma a pastora.

Por: Michel Franklin

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