Sem
dogmatismo: Gondim, evangélico contra os excessos neopentecostais.
Foto: Olga Vlahou
“Trato
também na pesquisa de como na lírica ou na prosa galego-portuguesa
medievais aparecem alguns exemplos de relações entre homens”, diz
o professor. “As relações homossexuais são documentáveis em
todas as épocas, o que houve foi um processo de adulteração, de
falsificação da história, para nos fazer pensar que não.” Outro
dado importante ressaltado pelo pesquisador é que a perseguição
contra os homossexuais vem originalmente do Estado. Só mais tarde a
Igreja se converteria na principal fonte do preconceito.
“Os
traços básicos do preconceito contra a homossexualidade tiveram sua
origem na Baixa Idade Média, entre os séculos XI e XIV. É nessa
altura que emerge a intolerância homofóbica, desconhecida na
Antiguidade. Inventa-se o pecado da sodomia, inexistente nos mil
primeiros anos do cristianismo, a englobar todo o sexo não
reprodutivo, mas tendo como principal expoente as relações entre
homens ou entre mulheres. Com o tempo, passará a ser o seu único
significado”, explica Callón.
De
fato, a palavra “sodomia” para designar o coito anal em geral e
as relações homossexuais em particular, e ao que tudo indica foi
introduzida na Bíblia por seu primeiro tradutor ao inglês, o
britânico John Wycliffe (1320-1384). Wycliffe traduziu o termo grego
arsenokoitai como “pecado de Sodoma”. Daí a utilização da
palavra “sodomita” para designar os gays, o que acabou
veiculando-os para sempre com o relato bíblico das pecadoras cidades
de Sodoma e Gomorra, destruídas por Deus com fogo e enxofre para
punir a imoralidade de seus habitantes. Mas o significado real de
arsenokoitai (literalmente, a junção das palavras “macho” e
“cama”) é ainda hoje alvo de controvérsia.
O
próprio termo “homossexual” para designar as pessoas que
preferem se relacionar com outras do mesmo sexo é recente: só
passou a existir a partir do século XIX. A versão revisada em
inglês da Bíblia, de 1946, é a primeira a utilizá-lo. Isto
significa que as menções à “homossexualidade”, “sodomia” e
“sodomitas” nas escrituras seriam mais uma questão de
interpretação do que propriamente de tradução.
“A
Bíblia, infelizmente, tem sido usada para defender quaisquer
posicionamentos, desde a escravidão (sobram textos que legitimam a
escravatura) ao genocídio”, opina o pastor Ricardo Gondim, da
Igreja Betesda de São Paulo, protestante. “Como o sexo é uma
pulsão fundamental da existência, o controle sobre essa pulsão
mantém um fascínio enorme sobre quem procura preservar o poder.
Assim, o celibato católico e a rígida norma puritana não passam de
mecanismos de controle. O uso casuístico das Escrituras na defesa de
posturas consideradas conservadoras ou ‘ortodoxas’ não passam,
como dizia Michel Foucault, de instrumentos de dominação.”
“Um
teólogo que eu admiro muito, Carlos Mesters, costuma dizer que a
Bíblia é uma flor sem defesa. Dependendo da mão e da
intencionalidade de quem a usa, a posição mais castradora ou a mais
libertadora pode ser defendida usando-a”, concorda a pastora Odja
Barros, presidente da Aliança de Batistas do Brasil, espécie de
dissidência da Igreja Batista que aceita homossexuais entre seus
integrantes – são seis igrejas no País. Tudo começou há cinco
anos, conta Odja, quando se colocou diante de sua igreja, em Maceió,
o desafio: um homossexual converteu-se e não queria abrir mão de
seu gênero. Foi uma pequena revolução. Alguns integrantes deixaram
a Igreja, outros se juntaram a ela, e houve fiéis que, animados,
também resolveram se revelar homossexuais. “Em todas as
comunidades evangélicas existem gays, mas são reprimidos”, afirma
a pastora.
Por: Michel Franklin
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